O geógrafo grego Estrabão dedicou, nos inícios da nossa era, uma secção da sua Geografia ao elogio da riqueza aurífera da Península Ibérica, em particular ao seu Sudoeste (Geog. 3.2.8), e a arqueologia faz jus a esse elogio. Desde o início das idades dos metais a ourivesaria foi campo privilegiado de experimentação e meio preferido de produção de objetos de prestígio: grandes joias de ouro maciço (chegando a pesar bem mais um quilograma), que marcam o final da Idade do Bronze. Esta riqueza, e o intercâmbio de outros metais - como o bronze, em liga; os seus constituintes, o cobre e o estanho; ou o ferro, cuja tecnologia teve um impacto civilizacional - estabeleceram uma rede de contactos abrangendo todo o Mediterrâneo e o Atlântico. Minério, mas também objetos acabados (por vezes mesmo sob a forma de sucata) viajavam, tal como viajavam produtos de luxo de origem oriental – levantina, minor-asiática, egípcia – que os fenícios produziam de acordo com estilos artísticos que misturavam várias destas influências. Desta forma, os fenícios trouxeram para a Península técnicas novas na ourivesaria, como a filigrana e o granulado, e demonstraram possibilidades até aí insuspeitadas de outras técnicas já conhecidas, como a estampagem de finas lâminas como processo decorativo. Tornaram também populares novas tipologias de joias, entre elas a arrecada (um brinco com duplo sistema de suspensão). Os brincos não eram desconhecidos na joalharia da Idade do Bronze, mas a explosão do seu uso ao longo da Idade do Ferro, revela uma tendência social de raízes mais largas, que a tecnologia acompanha: a valorização das joias destinadas à mulher. Houve importações de joias orientais, mas o impacto foi muito mais profundo, e os próprios ourives peninsulares rapidamente aprenderam e aplicaram essas novas técnicas. Existem até alguns casos de peças que são, do ponto de vista formal e da sua construção, típicas da Idade do Bronze, mas foram decoradas já com pormenores de inspiração oriental. Mas a produção de grandes joias de aparato foi abandonada - talvez porque a afirmação do poder, que elas garantiam, escolheu outras formas de expressão - e esses ourives peninsulares, ao longo de gerações, criaram novos modelos, alguns de enorme originalidade, sempre baseados nas influências mediterrânicas antes recebidas. A presente emissão recolhe um exemplo de uma peça importada e outro de uma peça de produção peninsular. A arrecada do Gaio é uma «arrecada de trompetas», característica pelo seu corpo lunular que suporta uma coroa decorativa composta por várias trompetas. É uma joia oca, formada por uma multiplicidade de peças estampadas, que potencia o impacto visual com um mínimo de metal precioso. É datável dos finais do séc. VII a.C. ou da primeira metade do séc. VI. Especialmente interessante é o pormenor de cada uma das trompetas ser unida ao corpo lunular por uma minúscula cabeça humana, que representa a deusa egípcia Hathor. As arrecadas foram encontradas numa sepultura na região de Sines, com outras peças de ourivesaria e objetos importados, constituindo um mobiliário funerário de assinalável riqueza. O Monte Molião, próximo de Lagos, foi um importante povoado indígena da costa algarvia ao longo de toda a Idade do Ferro. A arrecada do Monte Molião é uma «arrecada com pendente de espirais», característica pela sua placa formada por seis espirais contíguas (dispostas em pirâmide invertida: 3-2-1), cada uma delas decorada por um grânulo central, e com outras aplicações de filigrana noutras partes da joia que tinha, para além disso, alguns engastes de pedras semipreciosas (sabe-se que eram usadas a cornalina e a turquesa, pelo menos) ou pasta de vidro, de que atualmente só restam as tiras de retenção. Datável nos inícios do séc. V a.C., é uma produção típica do Sudoeste peninsular; uma oficina relacionada que estava instalada na Cabeça de Vaiamonte (Estremoz), e aí produzia brincos de filigrana nos finais do séc. II a.C.
Virgílio Hipólito Correia
(Texto retirado da pagela da emissão filatélica)
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